quinta-feira, 28 de fevereiro de 2013

Termina o pontificado de Bento XVI




Bento XVI tornou-se nesta quinta-feira o primeiro papa a renunciar em 600 anos, encerrando um pontificado de oito anos marcado por dificuldades para conduzir a Igreja Católica em meio a escândalos de abuso sexual e para promover um novo despertar da fé cristã diante de um mundo indiferente.

Os integrantes da Guarda Suíça em Castelgandolfo fecharam os portões do palácio de verão logo depois das 20h locais de hoje (16h em Brasília), encerrando simbolicamente um papado que entrará para a história pela forma como terminou: com a renúncia do pontífice, ao invés de sua morte.

Bento XVI chega a Castel Gandolfo


Cidade do Vaticano, 28 fev (EFE).- Bento XVI chegou a Castel Gandolfo, a trinta quilômetros ao sul de Roma e onde fica o palácio pontifício onde ele se alojará a partir de hoje, dia no qual deixará de ser papa.
O helicóptero no qual viajou desde o Vaticano aterrissou no heliporto da Vila Pontifícia às 17h24 local (13h24 de Brasília), dezessete minutos após deixar o pequeno estado.
Bento XVI foi recebido no local pelo cardeal Giuseppe Bertello, presidente do Governatorato do Vaticano (que administra o pequeno estado) e o arcebispo Giuseppe Sciacca, secretário do Governatorato.
Além disso, estavam presentes o bispo de Albano, diocese da qual pertence Castel Gandolfo, Marcello Semeraro, o diretor da Vila Pontifícia, Severio Petrillo, a prefeita da cidade, Milvoa Monachesi, e o pároco local, Pietro Diletti.
Do heliporto de Castel Gandolfo o papa foi para o Palácio Apostólico, em cujo balcão fará um pronunciamento para os presentes na praça da vila. EFE

Bento XVI agradece amor dos fiéis em sua última mensagem no Twitter

 
 
Cidade do Vaticano, 28 fev (EFE).- "Obrigado pelo vosso amor e o vosso apoio! Possais viver sempre na alegria que se experimenta quando se põe Cristo no centro da vida", escreveu Bento XVI em sua última mensagem no Twitter, poucos minutos antes de deixar o Vaticano.
O porta-voz do Vaticano, Federico Lombardi, explicou hoje que após a mensagem a conta ficará à disposição do futuro pontífice.
Ontem, após sua audiência pública das quartas-feiras, realizada na Praça de São Pedro diante de 200 mil pessoas, Bento XVI enviou sua penúltima mensagem: "Queria que cada um sentisse a alegria de ser cristão, de ser amado por Deus, que entregou o Seu Filho por nós".
Em relação à conta @Pontifex, o secretário do Conselho Pontifício para as Comunicações Sociais, Paul Tighe, informou hoje que ela foi criada para uso exclusivo de Bento XVI e que permanecerá inativa durante o período de Sé Vacante, que vai da renúncia do papa a escolha de seu sucessor.
Tighe explicou que a @Pontifex estará disponível para ser usada pelo próximo papa, se assim for o seu desejo. EFE

"Não sou mais pontífice, mas um peregrino a mais", diz Bento XVI


Cidade do Vaticano, 28 fev (EFE).- O papa Bento XVI afirmou nesta quinta-feira em discurso aos fiéis reunidos na praça de Castel Gandolfo, após deixar o Vaticano, que já não é "mais pontífice, mas um peregrino a mais".
Em seguida, ele explicou que "até as 20h" de Roma (16h de Brasília) continua "a ser o papa". EFE

OBRIGADO BENTO XVI


Bento XVI publicou três encíclicas em oito anos de pontificado



Redação internacional, 28 fev (EFE).- O papa Bento XVI, que nesta quinta-feira diz adeus ao papado, em seus quase oito anos de pontificado publicou três encíclicas (cartas públicas abordando algum tema da doutrina católica): 'Deus Caritas Est' (2006); 'Spe Salvi' (2007) e 'Caritas in Veritate' (2009) e deixa pendente uma quarta sobre a Fé, na qual está trabalhando.

Além disso, realizou três assembleias gerais de bispos (2005, 2008 e 2012) e cinco consistórios, um deles específico sobre os casos de sacerdotes pedófilos.

Bento XVI aprovou o documento que exclui os homossexuais do sacerdócio (2005); apresentou o Compêndio do Catecismo da Igreja Católica (2005); suprimiu a eleição de papa por maioria simples (2007) e facilitou a realização da missa em latim, segundo o rito tridentino (2007).

Do 'Missale Romanum', modificou a prece pelos judeus; em 2009 revogou a excomunhão dos bispos ordenados por Lefebvre e neste ano abriu as portas da Igreja Católica aos tradicionalistas anglicanos.

Bento XVI viajou por 20 países, entre eles o Brasil, que visitou em 2007 por ocasião da 5ª Conferência Geral do Episcopado Latino-Americano (Celam); a Espanha, que visitou três vezes (2006, 2010 e 2011); a Alemanha, seu país natal, que visitou em duas ocasiões (2005 e 2006); o Reino Unido, país ao que chegou na primeira visita de Estado de um pontífice desde 1534; os Estados Unidos e a Austrália, onde em 2008 se reuniu com vítimas de abusos sexuais por sacerdotes pedófilos.

Em 2009 viajou à Terra Santa e pela primeira vez à África, onde realizou polêmicas declarações contra o uso do preservativo para lutar contra a aids.

Contrário aos modelos alternativos à família tradicional, Bento XVI enfrentou em 2010, seu quinto ano de pontificado, como o mais difícil e complicado pelos casos de sacerdotes pedófilos que provocou uma das crises mais graves na história recente da Igreja Católica.

Por essa razão, o papa ordenou investigar e depurar a congregação os Legionários de Cristo, fundada por Marcial Maciel, quem já tinha sido castigado em 2006 por 'comportamentos gravíssimos e objetivamente imorais'.

Esse ano anunciou a criação de um novo Conselho Pontifício para evangelizar Ocidente, os países de tradição católica.

Da mesma forma que seu antecessor, foi nestes anos de Pontificado várias vezes 'primeiro'.

Bento XVI foi o primeiro papa que em 2010 promulgou um documento para lutar contra a lavagem de dinheiro nas instituições financeiras vaticanas.

Também foi o primeiro que respondeu a perguntas em um programa da televisão italiana 'RAI', em 2011, o primeiro que esse ano conectou, via satélite desde o Vaticano, com os tripulantes da Estação Espacial Internacional (ISS) e o primeiro que utilizou as redes sociais.

Em dezembro de 2012, postou seu primeiro tweet em sua conta @Pontifex no Twitter.

Em seus quase oito anos de pontificado proclamou 34 santos e cerca de 600 beatos, entre eles, seu antecessor, o papa João Paulo II, um fato também sem precedentes na História da Igreja, já que nos últimos 10 séculos nenhum papa nomeou beato seu antecessor.

Mas a maior surpresa, também sem precedentes na história moderna da Igreja Católica, foi dada em 11 de fevereiro de 2013, quando comunicou em latim sua renúncia como pontífice 'em plena liberdade pelo bem da Igreja' e por constatar que 'faltam forças' para continuar no cargo, fazendo uso do cânone 332.2 do Código de Direito Canônico.

Prestes a dizer adeus ao pontificado, Bento XVI também será o primeiro papa emérito ou pontífice romano emérito da Igreja Católica. EFE

Bento XVI promete 'respeito e obediência' ao futuro papa



Cidade do Vaticano, 28 fev (EFE).- Em seu último dia de pontificado, Bento XVI prometeu nesta quinta-feira 'respeito incondicional e obediência ao novo papa', em cerimônia de despedida realizada no Vaticano com a presença dos cardeais

'Entre vós está o futuro papa, a quem prometo meu respeito incondicional e obediência. Continuarei com vós rezando, especialmente nestes dias, para que sejais plenamente dóceis à ação do Espírito Santo na eleição do papa, afirmou um Bento XVI sereno e sorridente em seu discurso de adeus aos cardeais.

O papa, que às 20h de Roma (16h de Brasília) deixará de ser chefe da Igreja Católica, destacou a proximidade, solidariedade e conselhos que recebeu dos cardeais em seus oito anos de pontificado.

'Nestes anos vivemos com fé momentos belíssimos de luz radiante no caminho da Igreja, ao lado de momentos nos quais as nuvens se condensavam no céu. Tentamos servir a Cristo e a sua Igreja com amor profundo e total, que é a alma de nosso Ministério', disse o papa.

Bento XVI afirmou ainda que o Colégio Cardinalício deve ser 'como uma orquestra, na qual a diversidade possa levar a uma harmonia de concórdia'.

'Permaneçamos unidos, queridos irmãos, nas preces e especialmente na eucaristia. Assim servimos à Igreja e a toda à humanidade. Esta é nossa alegria, que ninguém nos pode tirar', acrescentou.

O bispo de Roma disse ainda que a Igreja não é uma 'instituição inventada por alguém, construída sobre uma mesa, mas uma realidade viva, que vive se transformando, embora sua natureza continua sendo sempre a mesma, já que sua natureza é Cristo'.

O papa se despediu dos cardeais na grandiosa Sala Clementina. Cerca de cem religiosos assistiram ao ato, e após seu discurso, o papa se despediu individualmente de todos eles.

Em alguns momentos, Bento XVI chegou a rir, por exemplo quando o cardeal filipino Luis Antonio Tagle disse algo em seu ouvido.

Em nome dos cardeais, o decano do Colégio Cardinalício, Angelo Sodano, expressou 'gratidão' pelos oito anos de pontificado de Bento XVI.

Sodano disse que todos, 'com ansiedade', uniam-se ao redor do papa e lembrou a frase pronunciada por Bento XVI no final dos recentes exercícios espirituais, quando agradeceu aos cardeais 'por estes oito anos nos quais carregaram comigo com grande competência, afeto e amor, o peso do Ministério petrino'. Em seguida, Sodano afirmou que são os cardeais que devem agradecer ao papa o 'exemplo dado por ele nestes anos'.

O decano disse que a voz da Igreja será escutada na Terra até que a voz do anjo do Apocalipse proclame 'o tempo acabou , completou-se o mistério de Deus'.

'Terminará assim a história da Igreja e a história do mundo', afirmou Sodano.

Este é o único ato, de caráter privado, previsto para hoje por Bento XVI em seu último dia de pontificado.

Nesta tarde, após o almoço, Bento XVI abandonará o Palácio Pontifício do Vaticano e se transferirá para a vila Pontifícia de Castel Gandolfo, a trinta quilômetros ao sul de Roma, onde se alojará até que terminem as obras de restauração do convento de freiras existente dentro do Vaticano, onde viverá.

 

quarta-feira, 27 de fevereiro de 2013

Em despedida emotiva aos fiéis, papa diz que sai pelo bem da Igreja.


CIDADE DO VATICANO, 27 Fev (Reuters) - O papa Bento 16 despediu-se emotivamente dos seus fiéis na última audiência geral do seu pontificado, na quarta-feira, quando disse que entende a gravidade da sua decisão de se tornar o primeiro ocupante do cargo a renunciar em 600 anos. Afirmou, no entanto, que fez isso pelo bem da Igreja Católica.

Falando a uma multidão estimada em 150 mil pessoas na Praça São Pedro, na véspera da efetivação da sua renúncia, Bento 16 disse que seu pontificado teve momentos de alegria, mas também de dificuldades, quando "parecia que o Senhor estava dormindo".

Sentado em um trono cor de marfim, na escadaria da basílica de São Pedro, Bento 16 foi frequentemente interrompido por aplausos. Ao final do discurso, os fiéis e muitos cardeais se levantaram para ovacioná-lo.

Refletindo sobre as crises que marcaram seu pontificado, Bento 16 disse que "houve momentos em que as águas estavam agitadas, e havia ventos de proa".

Conforme ele anunciou no dia 11, sua renúncia entra em vigor às 20h da quinta-feira (16h em Brasília). Nos dias seguintes, os cardeais iniciam oficialmente as consultas prévias ao conclave (reunião secreta que elege o novo papa).

O papa disse ter grande fé no futuro da Igreja, e acrescentou: "Dei esse passo com pleno conhecimento da sua gravidade e raridade, mas com profunda serenidade de espírito".

Amar a Igreja, acrescentou, implica "ter coragem para fazer escolhas difíceis e angustiadas, sempre tendo em mente o bem da Igreja, e não de si mesmo".

Bento 16 diz que decidiu renunciar por sentir-se velho e fraco demais para continuar comandando uma instituição marcada por crises causadas pelos abusos sexuais de clérigos contra menores e pelo vazamento de documentos sigilosos do Vaticano que apontam casos de corrupção e disputas de poder.

DESPEDIDA ENSOLARADA

Uma multidão vinda de toda a Itália e do exterior começou a lotar a ampla praça no começo da ensolarada manhã de quarta-feira. As audiências gerais do meio da semana geralmente são realizadas em local fechado, mas desta vez ela foi transferida para a praça a fim de acomodar todos os que queriam ver pela última vez o alemão Joseph Ratzinger investido no cargo de papa.

Os fiéis se espalhavam até o outro lado do rio Tibre e em ruas próximas. Muitos seguravam cartazes agradecendo ao papa e lhe desejando boa sorte. "Estamos todos ao seu lado", dizia um deles.

Embora a renúncia tenha surpreendido muitos católicos e gerado preocupações sobre seu impacto numa Igreja dividida, a maioria dos fiéis presentes no Vaticano manifestava apoio e elogios a Bento 16.

"Ele fez o que tinha de fazer na sua consciência perante Deus", disse a irmã Carmela, religiosa italiana que vive ao norte de Roma e foi à capital com outras freiras e com membros da sua paróquia.

"Este é um dia em que somos chamados para confiar no Senhor, um dia de esperança", acrescentou ela. "Não há espaço para tristeza aqui hoje. Temos de orar, há muitos problemas na Igreja, mas temos de confiar no Senhor."

A romana Carla Mantoni, 65 anos, considera que o papa "foi muito humilde por fazer isso".

"Entendo por que ele fez. Estava claro desde o começo de que ele se sentia mais em casa numa biblioteca. Um ótimo homem, mas ele percebeu de coração que essa era a coisa certa a fazer para si mesmo e para a Igreja, e agora ele vai rezar, vai rezar por todos nós."

Nem todos concordavam.

"Ele foi um desastre. É bom para todos que tenha renunciado", disse o australiano de ascendência irlandesa Peter McNamara, de 61 anos, que afirmou ter ido à praça para "testemunhar a história".

PROTOCOLO

Na noite de quinta-feira, após a declaração de "sé vacante", o papa irá se dirigir à residência pontifícia de Castelgandolfo, ao sul de Roma. Segundo o Vaticano, ele assumirá o título de "papa emérito" e continuará sendo chamado de "santidade".

Deixará de usar os "sapatos de pescador" vermelhos, que são parte da sua indumentária pontifícia, e adotará os mocassins marrons que ganhou de presente de sapateiros no ano passado, durante uma viagem a León, no México.

Também deve passar a se vestir com uma "batina branca simples", segundo o porta-voz Federico Lombardi.

O selo pontifício e o "anel do pescador" do seu papado serão destruídos, conforme as regras da Igreja -como se ele tivesse morrido.

Na terça-feira, o Vaticano disse que o papa estava separando seus documentos, avaliando quis devem ficar nos arquivos do Vaticano, e quais são de natureza pessoal.

Entre os documentos a serem deixados para o próximo papa está um relatório confidencial feito por três cardeais sobre o escândalo apelidado de "Vatileaks", no ano passado, quando um ex-mordomo do papa revelou documentos secretos acerca de casos de corrupção e disputas internas no Vaticano.

Ainda na quinta-feira, Bento 16 se reunirá com cardeais -muitos dos quais com direito a voto no próximo conclave. Às 17h (13h em Brasília), ele embarca de helicóptero para a residência de verão, numa viagem de 15 minutos.

Lá, fará uma aparição na janela do palácio pontifício, para saudar moradores e admiradores que se reunirem na pequena praça do local. Será sua última aparição como papa.

Às 20h (hora local, 16h em Brasília), os membros da Guarda Suíça que atuam como sentinelas na residência irão embora marchando, num sinal de que o trono pontifício está vago.

Bento 16 continuará em Castelgandolfo até abril, quando deve terminar a reforma do monastério onde ele irá morar, dentro do Vaticano.

Entrevista com o Ir. Marcelo Barros


Entrevista com Marcelo Barros, monge beneditino, biblista e assessor de comunidades eclesiais de base e movimentos populares. Atualmente, é coordenador latino-americano da Associação Ecumênica de Teólogos/as do Terceiro Mundo (ASETT).

20 de fevereiro de 2013

1 - Vemos hoje que há muitas pessoas trocando de religião, assim como também, há pessoas deixando a religião e partindo para outros caminhos, como o ateísmo. Isso significa que religião está em crise?

Resposta: Acredito que esse fenômeno do trânsito religioso (o fato das pessoas passarem uma Igreja a outra ou de uma religião a outra) e o fenômeno da secularização (isso é, o aumento do número de pessoas que se dizem sem religião) é decorrência de um mundo mais diversificado, com mais liberdade de escolhas e contatos entre as diferentes culturas. Os meios de comunicação e a facilidade de relação entre pessoas e grupos de diferentes tradições religiosas fazem com que o mundo seja mais pluralista. Penso que isso é positivo. Não é motivo de crise para nenhuma religião ou Igreja. Acredito que a religião, ou melhor, as religiões estão em crise, sim, mas é por motivos internos. Hoje, o desafio para as religiões é saberem se situar adequadamente nesse mundo pluralista, aprender a dialogar com a humanidade de hoje e testemunhar que a mensagem que trazem é pertinente, justa e diz algo de importante para as pessoas da geração contemporânea.

2. Bento XVI chegou a afirmar que a IGREJA está em crise. Era a isso que ele se remetia?

Não posso responder por ele, mas não creio que ele tenha querido dizer isso. Até porque ele parece preferir uma Igreja minoritária e pouco inserida na humanidade que seja fiel à doutrina e aos princípios de sempre. Quando ele diz que a Igreja está em crise (está se referindo à Igreja Católica e não a toda Igreja cristã), creio que tem em vista a crise interna da estrutura romana. Nas alocuções e homilias feitas depois da sua declaração de renúncia, aludiu à divisão na cúpula do Vaticano, à luta pelo poder entre cardeais e aos sofrimentos que teve por parte de pessoas que lhe eram próximas. Sem dúvida, os escândalos com relação à pedofilia de clérigos e à desonestidade econômica e ilegalidades no Banco do Vaticano (IOR) o fizeram sofrer e são elementos dessa crise que ele aponta.

3. Há uma preocupação, por parte da Igreja, com a constante perda de fieis? Se a igreja não se preocupa em ganhar novos fieis, não deveria se atentar para garantir a permanência dos existentes?

Tomar como objetivo da Igreja ganhar novos fiéis é confundir missão com proselitismo, ou seja, a política de conquistar pessoas. É transformar a Igreja em uma empresa que faz propaganda de si mesma e de seus produtos. Algumas Igrejas cristãs e alguns setores católicos caem nessa tentação. Jesus mandou seus discípulos testemunharem e anunciarem o projeto divino no mundo (que o evangelho chama de reino de Deus). Propaganda da própria Igreja é outra coisa. É claro que a Igreja tem um compromisso de servir a seus fiéis. Se uma pessoa quer deixar a Igreja Católica por motivo de consciência, é seu direito e a Igreja não deve fazer nada para impedir. Agora se alguém deixa a Igreja porque não encontra mais nela aquilo que precisa para viver sua fé, aí a Igreja tem de se rever e se perguntar se ainda tem alguma razão de ser.

4. Em pronunciamento, Bento XVI pediu a renovação da Igreja e disse: "Temos que trabalhar verdadeiramente para que se realize o segundo Concílio do Vaticano e que se renove a Igreja”. As diretrizes do Concílio, que foi aprovado na década de 1960, atendem ao crescente apelo por renovação da Igreja?

Nos anos 60, o Concílio foi uma verdadeira primavera para a Igreja, um tempo de renovação (João XXIII o definiu: um novo Pentecostes, isso é, começo novo para a Igreja sob a inspiração do Espirito). É claro que um acontecimento que foi renovador há 50 anos, agora precisa ser reinterpretado para a realidade de agora. Comumente, no mundo, uma organização, cultural e social, pensaria que princípios emanados há 50 anos já estariam superados. De lá para cá o mundo mudou tanto que são necessário critérios novos e novas diretrizes. Com a Igreja Católica, contudo, o que ocorreu é que sob a influência muito centralizadora dos dois últimos papas, o que existe de mais novo hoje ainda é a proposta de renovação emanada do Concílio Vaticano II. Depois do Concílio e dos anos de sua aplicação, nada se fez de mais renovador ou que buscasse uma atualização da missão, do modo de expressar a fé e da organização da Igreja. Por isso, de fato, a única referência que temos que pode responder ao apelo de renovação da Igreja é o Concílio Vaticano II e na América Latina, a conferência do episcopado latino-americano em Medellin (1968). Se conseguirmos que a Igreja, hoje, retome esse espírito, já será uma maravilha.

5. O papa João Paulo II classificou o Concílio como "um momento de reflexão global da Igreja sobre si mesma e sobre as suas relações com o mundo”. Essas relações são, ainda hoje, levadas em consideração?

O Concílio significou um tempo de grande diálogo da hierarquia da Igreja Católica com a humanidade do seu tempo. No Concilio, o papa e os bispos deixaram de ver os tempos modernos como algo negativo e perigoso para a fé. Nas últimas décadas, esse diálogo foi rompido e a modernidade de novo passou a ser vista como simplesmente negativa. (É bom a gente ser críticos, mas não pessimistas e movidos pelo medo). É preciso retomar o diálogo como princípio espiritual e elemento fundamental da missão da Igreja.

6. Ao pedir essa renovação, Bento XVI disse que isso implicará em um combate espiritual, "porque o espírito do mal quer nos desviar do caminho de Deus”. Essa afirmação remete a alguma contenda política na Igreja?

Só ele pode afirmar exatamente o que quis dizer com isso. De fato, a espiritualidade é sempre um constante combate interior, cada pessoa consigo mesma. Essa luta pela conversão pessoal e comunitária transforma a Igreja em suas estruturas para que ela não se torne uma empresa qualquer. Conforme o rabino Nilton Bonder, na tradição judaica, o termo hebraico Satã (no grego diabolos) significa não uma pessoa ou entidade externa a nós, mas um bloqueio na conexão entre a pessoa e o Espírito. O demônio seria uma energia que cria obstáculo no caminho da saúde e da integração interior(1)[1]. Jon Sobriño, teólogo salvadorenho, escreveu: "O conteúdo concreto da tentação que Jesus enfrentou foi o uso do poder que Jesus poderia ter para exercer sua missão. Ele o rejeitou”(2)[2].

7. Mas, então, isso significa que existe mesmo algum conflito interno e político na cúpula da Igreja?

Embora assistida pelo Espírito Divino, a Igreja é feita de homens e sua hierarquia é humana. Alguém acha estranho que em uma instituição do tamanho da Igreja e com sua importância hoje no mundo haja tendências diferentes, grupos opostos e no próprio Vaticano em um momento como esse isso apareça? Penso que imaginar o contrário seria querer uma Igreja de anjos e seres celestiais e não de pessoas humanas concretas. Acho normal que haja esses conflitos. O que não é normal seria usar métodos antiéticos para desqualificar o outro lado e vencer de qualquer modo.

8. Concretamente, como seria isso?

A Bíblia nos diz para não tomar o nome de Deus em vão. Acho uma vergonha todo mundo saber que no Vaticano, grupos se digladiam pelo poder e quando são perguntados, todos respondem: É o Espírito Santo que decidirá. Isso é chamar as pessoas de idiotas. Creio e espero que o Espírito Santo inspire e guie as pessoas que votarão, mas não creio em ato mágico e nem de incorporação espírita na hora da votação. As pessoas são humanas e em consciência votarão como pensam, mesmo se invocarem o Espírito para poderem discernir o que é melhor para a Igreja. Desejo muito que o resultado reflita a vontade de Deus, mas isso não é mecânico e automático. Na história houve papas que fizeram muitas coisas boas e bonitas, mas houve também papas que agiram muito mal e será que esses foram escolhidos também pelo Espirito Santo? Ou foi um erro dos cardeais? Com a eleição papal, ocorre como nós cremos que ocorre com a própria palavra da Bíblia: é inspirada por Deus, mas nem por isso deixa de ser humana, o que significa, é cultural, é social e política e condicionada ao momento presente e a todas as circunstâncias da história. É isso que o evangelho diz quando proclama que o Verbo, isso é a Palavra Divina se fez carne (João 1, 14).

9. O que o senhor acha da Teologia da Libertação?

Se Jesus é salvador e disse que o Espírito Santo o ungiu para anunciar aos empobrecidos a libertação (Lucas 4, 16 ss), então, toda a fé cristã e toda teologia deveria ser libertadora. Não se trata de uma teologia sobre a libertação. Isso não é tão importante. O importante é que a teologia seja qual for colabore para que a humanidade tenha mais vida, mais saúde e mais alegria. Jesus disse: Eu vim para que todos tenham vida e vida em plenitude (João 10, 10). Então a teologia deve visar à libertação. Em 1968, os bispos católicos da América Latina, reunidos em Medellín definiram: A Igreja precisa ser pobre e missionária, comprometida com a libertação de toda humanidade e de cada pessoa humana em sua integralidade (libertação moral, libertação espiritual, libertação cultural, libertação social, econômica, etc). (Cf. Medellín, documento sobre Juventude 5, 15). Não vejo em que isso ficou superado. Nem o mundo melhorou tanto depois de 68 que isso se tornou desnecessário (ao contrário, a pobreza se agravou) e nem o evangelho perdeu sua atualidade. A teologia da libertação, hoje, deve assumir novas tarefas e nova linguagem, mas é sempre necessária e atual.

10. Analistas pontuam que o cardeal Ratzinger investiu contra a Teologia da Libertação, na América Latina, assim como contra os teólogos jesuítas na Europa, o feminismo e a homossexualidade. A rigidez dele e de João Paulo 2º os levou a tentar sufocar as discussões sobre os padres casados e o celibato, a ordenação de mulheres, a contracepção e o aborto. Essas questões devem ser discutidas de forma mais aberta pela Igreja?

Em 1962, ao abrir o Concílio Vaticano II, o papa João XXIII afirmou que a Igreja manteria sua fé de sempre, mas se empenharia em expressá-la de uma outra maneira. Ele explicou que se pode afirmar a fé de modo que divida as pessoas e provoque sofrimento e se pode afirmar a mesma fé de modo que una. A fé é a mesma, mas a sua expressão pode variar e isso vale para a doutrina, inclusive disciplinar e moral. No Evangelho, Jesus nunca se negou a dialogar com as pessoas e soube adaptar-se à realidade delas, Rezo para que toda a hierarquia da Igreja Católica aprenda a fazer isso. Quem quer que seja, padre, bispo ou papa, tem o direito de pensar como quiser; mas, como ministro de Jesus, é chamado a dialogar e abrir-se a uma atitude acolhedora e amorosa com todas as pessoas que o procuram ou pedem a sua palavra.

11. Com dois antecessores poliglotas e que se relacionaram de forma assídua com o mundo, o que deve ser levado em consideração na escolha do próximo papa? Esse fator relacional irá pesar na escolha? Ele deverá ser um bom relações-públicas?

Pessoalmente, como crente e como teólogo, desejo e oro para que os cardeais que se reunirão proximamente em conclave percebam que em um mundo como o nosso não tem nenhum sentido manter o ministério do papa como uma monarquia absoluta medieval de direito divino e com jurisdição no mundo todo. E ainda dizer que isso vem do tempo dos apóstolos e é vontade de Deus. Se a Igreja aceitasse voltar ao estilo do primeiro milênio do Cristianismo, o papa deveria ser escolhido com o critério de ser bispo de Roma, patriarca da Igreja latina, ponte (pontífice) da unidade de todas as Igrejas, mas a partir do respeito à autonomia das Igrejas locais que não são filiais de uma organização internacional e sim verdadeiras Igrejas, com todos os elementos da Igreja universal. Para resumir, nada de papa brasileiro ou africano. Papa deve ser italiano, de preferência romano que seja verdadeira e plenamente bispo de Roma e coordene a comunhão das Igrejas locais de forma sinodal e colegial, como quis o Concílio Vaticano II.

12. Qual o caminho a ser seguido pela Igreja nos próximos anos?

Como já afirmei, voltar ao espírito do Concilio Vaticano II e revalorizar as Igrejas locais como verdadeiras Igrejas e não apenas como sucursais do Vaticano. Nesse mundo autoritário e excludente em que vivemos; dar o exemplo de dialogar; e estabelecer uma agenda de discussões com a humanidade que toque nas grandes questões sociais, humanas, éticas e culturais. Penso que é importante intensificar a aproximação com as outras Igrejas e religiões e com elas realizar um fórum de todas as tradições espirituais pela paz, justiça e defesa da natureza criada por Deus. E aí sim a Igreja saberá enfrentar as questões internas da igualdade entre homem e mulher nos ministérios e superar normas disciplinares que valeram para outras épocas, mas hoje não são sinais da realização do projeto divino no mundo.

[Marcelo Barros é monge beneditino, biblista e assessor de comunidades eclesiais de base e movimentos populares. Atualmente, é coordenador latino-americano da Associação Ecumênica de Teólogos/as do Terceiro Mundo (ASETT). Tem 44 livros publicados].



 

OAB Nacional cria comissão presidida por advogada indígena

O presidente nacional da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Marcus Vinicius Furtado, lançou neste sábado (23) em Boa Vista, Roraima, a Comissão Especial de Defesa dos Direitos dos Povos Indígenas, criando na OAB um canal permanente de interlocução para a sistematização de uma pauta nacional voltada para as causas indígenas. Foi designada presidente da Comissão a advogada indígena Joênia Batista de Carvalho (foto), da etnia wapichana. O evento de lançamento da Comissão aconteceu na sede do Conselho Indígena de Roraima, em Boa Vista.

A reportagem é do portal do Cimi, 25-02-2013. Foto: Eugênio Novaes.

Em seu discurso, Marcus Vinicius afirmou que a Comissão irá pautar o Conselho Federal com as principais demandas e reivindicações do povo indígena. Entre elas estão a proibição das invasões de terras indígenas, que ainda vêm ocorrendo apesar de a demarcação das áreas da Raposa Serra do Sol já ter sido feita, preocupações com prejuízos à terra decorrente da mineração e atividades garimpeiras e o controle de doenças transmitidas pelo homem branco, tais como doenças venéreas.

“O objetivo é dar atenção especial às minorias, já que proteger os direitos fundamentais da pessoa humana é uma das missões da OAB”, ressaltou o presidente da entidade, acrescentando que o homem branco não é proprietário das terras. “Somos apenas passageiros. Não temos o direito de querer destruir terras importantes não só para o presente, mas para o futuro”, acrescentou.

Ainda segundo o presidente da OAB, o objetivo da Comissão também é o de conhecer a realidade dos povos indígenas. “Ao designar como presidente a Comissão uma advogada, que além de competente e capaz é da etnia wapichana, a OAB demonstra que não quer mais que a pauta indígena seja meramente episódica, pontual ou de respostas imediatas a problemas que surgirem. Queremos resolvê-los de uma vez por todas”.

O indígena Davi Kopenawa Yanomami, presidente da Hutukara, organização indígena dos Yanomamis, fez um relato emocionado dos mais graves problemas dos povos indígenas e lembrou que o homem branco, que tem de tudo, “de camisa a comida farta”, está alheio aos problemas de quem vive nas florestas. Segundo ele, as tribos sofrem com os fazendeiros invasores, com os mineradores e com as doenças trazidas pelos brancos.

“O governo veio e demarcou as terras, mas os invasores voltaram para atacar os Yanomamis. Veio e tratou de uma doença, mas agora temos outras e saúde sem qualidade. O homem branco só está preocupado em explorar ouro, madeira e diamante para mandar agora para a Europa e Japão, sem se preocupar com a terra que teremos no futuro”, afirmou Davi, arrancando aplausos de representantes de várias etnias presentes e de membros da OAB. “Quero meu povo vivo e em paz. Povo indígena é gente e deve ser respeitado”.

Entre as principais demandas atuais dos povos indígenas, apresentadas no evento pelo coordenador do Conselho Indígena de Roraima (CIR), Mário  Nicário, estão o fim da PEC 215, que condiciona a demarcação de novas áreas indígenas à aprovação do Congresso Nacional, o desarquivamento do Estatuto do Índio, o monitoramento das políticas de atendimento diferenciado em saúde e a punição dos que assassinaram índios durante os confrontos envolvendo a demarcação da Raposa Serra do Sol.

A nova presidente da Comissão Especial de Defesa dos Direitos dos Povos Indígenas lembrou que os índios levaram muito tempo e sofreram muitas perdas para fazer a demarcação, devendo esta ser respeitada. “Essa Comissão chega em momento oportuno para apoiar, assessorar e orientar as ações da OAB para garantir que sejamos ouvidos, já que, hoje, não temos nenhuma voz no Congresso Nacional”, disse Joênia wapichana.

Para o diretor-tesoureiro da OAB Nacional, Antonio Oneildo Ferreira, a Comissão irá sistematizar a legislação, fazer um levantamento das pautas principais e subsidiar o Conselho Federal da OAB para enfrentar os casos práticos relativos às causas indígenas. “Como a OAB já tem uma pauta permanente e de atenção constante para as causas relativas aos direitos humanos e ao sistema carcerário, agora teremos uma pauta também para cuidar dos direitos dos povos indígenas”, explica o conselheiro federal Antonio Oneildo.

Também participaram do lançamento da Comissão o secretário-geral do Conselho Federal da OAB, Claudio de Souza Neto; o presidente da OAB-RR, Jorge da Silva Fraxe, e os presidentes das Seccionais da OAB-DF, Ibaneis Rocha, e da OAB-SE, Carlos Augusto Monteiro Nascimento, além de conselheiros federais da entidade.

Pelos indígenas, estiveram presentes, ainda, a vereadora indígena Cecilita Ingarikó, a secretária da Organização das Mulheres Indígenas de Roraima (Omirr), Telma Marques,além de índios das seguintes etnias: macuxi, wapichana, taurepang, ingarikó, yanomami, wai wai, sapapa, yekuana e patamona.

segunda-feira, 25 de fevereiro de 2013

Suspensão dos processos de demarcação de terras indígenas

A presidente da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), senadora Kátia Abreu, reuniu-se ontem (21/02), no Palácio do Planalto, em Brasília, com a ministra da Casa Civil, Gleisi Hoffmann, para pedir a suspensão dos processos de demarcação de terras indígenas 


A presidente da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), senadora Kátia Abreu, reuniu-se ontem (21/02), no Palácio do Planalto, em Brasília, com a ministra da Casa Civil, Gleisi Hoffmann, para pedir a suspensão dos processos de demarcação de terras indígenas até que sejam julgados todos os embargos declaratórios do caso Raposa Serra do Sol.

Participaram da reunião os presidentes das Federações de Agricultura e Pecuária do Mato Grosso do Sul (FAMASUL), Eduardo Riedel, e do Paraná (FAEP), Ágide Meneguette, e os presidentes dos sindicatos rurais de Tacuru (MS), Maria Neide Casagrande Munaretto; de Iguatemi (MS), Hilário Parisi; e de Amambai (MS), Diogo Peixoto. O prefeito de Iguatemi, José Roberto Felippe Arcoverde, e o senador Waldemir Moka também integraram a comitiva liderada pela senadora Kátia Abreu.

Para a presidente da CNA, o julgamento dos embargos declaratórios poderá acontecer ainda neste semestre, visto que o Supremo Tribunal Federal (STF) tem trabalhado com muita celeridade para analisar e julgar os casos que chegam à Suprema Corte do País. Na segunda-feira (25/02), um documento com o mesmo pedido será protocolado no Ministério da Justiça. O documento foi assinado por mais de 50 entidades que representam o setor agropecuário.

Publicado em: 22/02/2012.
PEC 237/13. Insaciáveis ruralistas
"As terras indígenas são o novo alvo dos ruralistas no Congresso", comenta Bernardo Camara em artigo publicado pelo sítio do Greenpeace, 20-02-2013.
Eis o artigo.

Mal terminaram de rasgar o Código Florestal, e os ruralistas já se empenham em novo ataque. A bola da vez são as áreas protegidas. As duas últimas investidas são pesadas, e pretendem mudar a Consituição brasileira. Já tramitando na Câmara, sob batuta do deputado Nelson Padovani (PSC-PR), aProposta de Emenda Constitucional (PEC 237/13 permitiria abrir até 50% da área das teras indígenas aos produtores rurais.

O argumento dele? “(...) a vida financeira dos índios se deteriora cada vez mais. A miséria, as doenças, o tráfico de drogas e o consumo de álcool avançam em terras indígenas”, disse o preocupado deputado. Ele só não explicou como ou porque a chegada do agronegócio – que historicamente tem causado conflitos com os indígenas – solucionaria esses problemas.

A proposta de Padovani vem na esteira de vários outros ataques – dos poderes legislativo e executivo – às áreas protegidas. Um outro projeto que chama a atencão e causa arrepio a indigenistas e ao movimento ambientalista é a PEC 215/2000, de autoria do deputado Almir Sá (PPB/RR). Também tramitando na Câmara, a proposta quer entregar ao Congresso Nacional – o mesmo que definhou nossa legislação florestal – as decisões sobre aprovar, demarcar e ratificar as terras indígenas.

Papa se reúne com os três cardeais que investigaram Vatileaks


Cidade do Vaticano, 25 fev (EFE).- O papa Bento XVI recebeu nesta segunda-feira no Vaticano os três cardeais que investigaram o escândalo "Vatileaks", o espanhol Julian Herranz, o italiano Salvatore De Giorgi e o eslovaco Jozef Tomko.
Os três formaram a Comissão Cardenalícia criada por Bento XVI para esclarecer o roubo e o vazamento de documentos pessoais enviados ao papa e do Vaticano, que levaram à detenção e condenação por roubo do seu ex-mordomo, Paolo Gabriele.
Os três cardeais interrogaram desde abril do ano passado cerca de trinta pessoas e entregaram ao papa dois relatórios sobre suas investigações, um em julho e outro em dezembro do ano passado.
Fontes do Vaticano disseram hoje à Agência Efe que Bento XVI passará os dois relatórios, cujo conteúdo se desconhece, ao próximo pontífice, e que a documentação não ficará arquivada, como geralmente ocorre após a morte ou renúncia de um papa. EFE

Sob pressão do agronegócio, governo pode rever descanso de motoristas


Caminhoneiros chegam a trabalhar mais de 16 horas diárias e são os que mais morrem em acidentes de trabalho. Legislação que limita jornada, no entanto, pode ser revista.

A reportagem é de Guilherme Zocchio e publicada pela Agência Repórter Brasil, 20-02-2013.

O governo federal admite a possibilidade de rever a “Lei do Descanso”, como ficou conhecida a
Lei 12.619/2012, que determina jornadas de no máximo oito horas diárias para motoristas em estradas e regulamenta o exercício profissional no transporte rodoviário brasileiro. Entidades que representam o agronegócio pressionam para que a lei seja revista e afirmam que, se efetivada, ela pode aumentar o valor de frete e encarecer o preço da produção agropecuária.

Entre os principais interessados estão
grandes produtores de soja, cujo cultivo no centro-oeste depende da rede rodoviária para atingir portos de exportação. Em 30 de janeiro, o secretário-executivo adjunto da Casa Civil, Gilson Bittencourt, reuniu-se para tratar do tema com Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais (ABIOVE), Associação das Empresas Cerealistas do Brasil (ACEBRA) e Confederação de Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA).

Procurada pela Repórter Brasil, em nota, a assessoria de imprensa da Casa Civil afirmou que “está analisando o pleito do setor” e confirmou que além da reunião com representantes do agronegócio, já foram feitas outras duas reuniões para tratar do assunto. A possibilidade de o governo retroceder preocupa o Ministério Público do Trabalho (MPT) e os sindicatos de motoristas. “Nos termos propostos, as mudanças vão mudar substancialmente o caráter protetivo da lei”, avalia o procurador Paulo Douglas Almeida de Morais.

De acordo com os dados mais recentes do Ministério da Previdência Social, relativos a 2010, o setor de transporte rodoviário de cargas ocupa o
primeiro lugar em número de acidentes de trabalho fatais. De 2.712 mortes ocorridas no ano, 260 foram de motoristas. Aconteceram 16.910 acidentes e, além dos mortos, 412 sofreram incapacidade permanente. Para o MPT, a “Lei do Descanso” é um importante mecanismo institucional para alterar esta realidade e proteger uma categoria profissional sujeita a muitas fragilidades trabalhistas.

O Brasil subscreveu Resolução da Organização das Nações Unidas (ONU) que tem como meta a redução em 50% dos acidentes em estradas e divulgou, em 2011, o
Plano Nacional de Redução de Acidentes e Segurança Viária para a Década 2011-2020. “O Poder Executivo, de um lado, lança uma campanha pelo trânsito seguro e, de outro, está querendo fragilizar uma legislação que vem exatamente para garantir segurança nas estradas. Isso denota uma postura hipócrita do governo federal”, comenta Paulo Douglas.

Sobrecarga

Informações reunidas  pela “Operação Jornada Legal”, iniciativa conjunta do MPT e da Polícia Rodoviária Federal, apontam que as jornadas prolongadas são constantes no setor. Cerca de 88% dos motoristas cumpre jornadas acima de 8 horas diárias, sendo que 9% cumprem jornadas de mais de 16 horas. Para aguentar tal carga, 12% admitem consumir drogas estimulantes durante o trabalho e 64%  afirmam conhecer algum colega que faz o uso de substâncias químicas no trabalho.
A nova lei prevê paradas obrigatórias para os motoristas de 30 minutos a cada 4 horas dirigidas. Os representantes do agronegócio, defendem que o intervalo seja realizado a cada seis horas e que a inspeção só comece a valer mesmo depois de um ano, período no qual as ações teriam fins meramente educativos sobre a aplicação da norma, para que o setor possa fazer adequações logísticas necessárias. O prazo inicial para adaptação é de seis meses. Para justificar a pressão por mudanças na lei, o setor reclama um déficit de 50 mil motoristas e afirma que as novas regras encarecem o frete da produção. O posicionamento foi detalhado na última página da edição de janeiro da revista AgroAnalysis, publicação sobre agronegócio da Fundação Getúlio Vargas (FGV).

A assessoria de imprensa da Associação das Empresas Cerealistas do Brasil (ACEBRA) afirma que a ministra  Gleisi Hoffmann demonstrou-se favorável em “mitigar os impactos da legislação” e que também mostrou disposição para “receber sugestões de aperfeiçoamentos pontuais no texto da lei”. Além da reunião, 10 associações de produtores enviaram uma carta cobrando alterações.

No Congresso Nacional, representantes da Frente Parlamentar da Agropecuária, a chamada Bancada Ruralista,  também pressionam por alterações na nova lei. Em setembro de 2012, a Comissão de Agricultura, Pecuária, Abastecimento e Desenvolvimento Rural da Câmara dos Deputados anunciou que pediria à presidência uma
Medida Provisória para alterar a norma.

Neste ano, parlamentares fizeram reuniões para estudar como modificar a lei. O assunto tem sido pauta recorrente da Câmara Temática de Logística do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, de acordo com informações da revista AgroAnalysis.

Lei ainda não saiu do papel


A “Lei do Descanso” já está valendo, mas ainda não saiu do papel. Ela foi regulamentada pela resolução 417/2012 do Contran, que limita sua aplicação a rodovias com postos de descanso adequados aos intervalos previstos. Tais estradas deveriam ser indicadas pelo Ministério dos Transportes e pelo Ministério do Trabalho e Emprego, mas este último órgão declarou não ter competência técnica para avaliar e indicar quais as que se enquadram nesta categoria, gerando um impasse.

Ao mesmo tempo em que o governo discute internamente como aplicar a lei, o MPT tenta forçar na Justiça sua aplicação imediata por meio de uma Ação Civil Pública. Questionando a resolução do Contran, com o argumento de que a lei deve valer para todas as estradas brasileiras de maneira geral e irrestrita, o órgão conseguiu um mandato de segurança em primeira instância.

A Advocacia Geral da União (AGU), no entanto, recorreu e conseguiu na Justiça no último dia 8 suspender o mandato de segurança com uma liminar. A juíza relatora do Tribunal Regional do Trabalho da 10ª Região (TRT-10), Cilene Ferreira Amaro Santos, justificou na decisão que “não verifica na determinação do Contran nenhuma ingerência no âmbito de atuação” e que a a resolução “não impede a fiscalização” da lei pelos agentes de Estado responsáveis por executá-la. A decisão, porém, não é definitiva e o caso segue na Justiça.

Direito dos motoristas

As possíveis alterações também desagradam setores laborais e do patronato do transporte rodoviário. “Quem vem se posicionando contrário à lei deveria justamente buscar aquilo em que a lei pode acrescentar”, argumenta Flávio Benatti, diretor-executivo do setor de transporte de cargas da Confederação Nacional do Transporte (CNT), órgão representante de empresários do ramo rodoviário. Em entrevista à Reporter Brasil, ele indica que, antes de a lei ser aprovada pelo Congresso, o texto foi discutido entre vários setores, incluindo empregadores, trabalhadores e usuários do transporte. “Se há necessidade de correção na norma, que se faça, mas de maneira coerente. O governo deve chamar todas as partes envolvidas”, lembra.

O representante da CNT também adverte que a lei é importante para garantir a segurança nas rodovias do país. “Nós somos contrários que não haja nada. Hoje nós temos uma situação com muitas pessoas morrendo nas estradas”. Apesar de o governo federal ter sinalizado recentemente a redução do número de acidentes rodoviários, com a operação da “lei seca” durante o carnaval, dados apontam que mais de 40.600 pessoas morreram nas autopistas e vias urbanas brasileiras somente em 2010, segundo dados do Ministério da Saúde.

“Essa ‘lei do descanso’ é a ‘lei da vida’. Vamos trabalhar no sentido de manter ela como está”, diz Epitácio Antônio dos Santos, dirigente da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Transportes Terrestres (CNTTT). Segundo ele, a entidade é contrária a qualquer alteração que possa fragilizar a garantia dos direitos dos motoristas do setor. “Caberia uma revisão na lei nos artigos que o governo vetou no momento da promulgação”, completa. Entre as 19 artigos, incisos e parágrafos vetados pela presidenta Dilma Rousseff (PT), está o compromisso do Executivo em assumir ou incentivar a implementação de postos de descanso para o transporte rodoviário nas estradas, único ponto de consenso que poderia ser revisto na lei.

Trabalhadores, patrões e usuários avaliam que, para o melhor funcionamento da legislação, seria necessária a construção de mais locais com infraestrutura e segurança adequadas para que os motoristas pudessem obedecer às pausas determinadas pela “lei do descanso” sem problemas.

domingo, 24 de fevereiro de 2013

Bento 16, em seu último Ângelus, diz seguir vontade de Deus

CIDADE DO VATICANO, 24 Fev (Reuters) - Em seu último pronunciamento de domingo, o papa Bento 16, que se tornará o primeiro pontífice a deixar o cargo em quase seis séculos, disse que seguiu os desejos de Deus e não está abandonando a Igreja Católica Romana.
O papa fez a declaração com voz vigorosa para milhares de pessoas na Praça São Pedro, no Vaticano, e afirmou que, depois de sua histórica abdicação, na próxima quinta-feira, vai continuar a servir e amar a Igreja, rezando e meditando.
"O Senhor está me chamando para subir a montanha, para me dedicar ainda mais à oração e à meditação", disse ele em meio a aplausos e gritos de "viva o papa".
"Mas isso não significa abandonar a Igreja. Na verdade, se Deus pede isso a mim, é precisamente porque posso continuar a servir a Ele com a mesma dedicação e o mesmo amor que tenho demonstrado até agora", afirmou.
Bento 16 disse também que estaria servindo à Igreja de uma forma mais de acordo com a sua idade e suas forças.
O pronunciamento deste domingo foi uma das últimas aparições de Bento 16 como pontífice. Na quarta-feira, ele vai realizar sua última audiência geral na Praça São Pedro e, na quinta, vai se reunir com os cardeais e depois irá para o retiro de verão papal, ao sul de Roma.
O papado ficará vago às 20 horas (16h de Brasília) na quinta-feira.
Os cardeais começarão a realizar reuniões no dia seguinte para se preparar para o conclave que elegerá o novo papa, o qual provavelmente será marcado para meados de março.
(Por Philip Pullella e Naomi O'Leary)

A Igreja-instituição como “casta meretriz”


Leonardo Boff
  Quem acompanhou o noticiário dos últimos dias acerca dos escândalos dentro do Vaticano, trazidos ao conhecimento pelos jornais italianos “La Repubblica” e o “La Stampa”, referindo um relatório com trezentas páginas, elaborado por três Cardeais provectos sobre o estado da cúria vaticana deve, naturalmente, ter ficado estarrecido. Posso imaginar nossos irmãos e irmãs piedosos que, fruto de um tipo de catequese exaltatória do Papa como “o doce Cristo na Terra” devam estar sofrendo muito, pois amam o justo, o verdadeiro e o transparente e jamais quereriam ligar sua figura a notórios malfeitos de seus assistentes e cooperadores.
       O conteúdo  gravíssimo destes relatórios reforçaram, no meu entender, a vontade do Papa de renunciar. Ai se comprovava uma atmosfera de promiscuidade, de luta de poder entre “monsignori”, de uma rede de homossexualismo gay dentro do Vaticano e desvio de dinheiro do Banco do Vaticano. Como se não bastassem os crimes de pedofilia em tantas dioceses que desmoralizaram profundamente a instituição-Igreja.

         Quem conhece um pouco a história da Igreja – e nós profissionais da área temos  que estuda-la detalhadamente- não se escandaliza. Houve épocas de verdadeiro descalabro do Pontificado com Papas adúlteros, assassinos e vendilhões. A partir do Papa Formoso (891-896) até o Papa Silvestre (999-1003) se instaurou segundo o grande historiador Card. Barônio a “era pornocrática” da alta hierarquia da Igreja. Poucos Papas escapavam de serem depostos ou assassinados. Sergio III (904-911) assassinou seus dois predecessores, o Papa Cristóvão e Leão V.

         A grande reviravolta na Igreja como um todo, aconteceu, com consequências para toda a história ulterior, com o Papa Gregório VII em 1077. Para defender seus direitos e a liberdade da instituição-Igreja contra reis e príncipes que a manipulavam, publicou um documento que leva este significativo título “Dictatus Papae” que literalmente traduzido significa “a Ditadura do Papa”. Por este documento, ele assumia todos os poderes, podendo julgar a todos sem ser julgado por ninguém.
O grande historiador das idéias eclesiológicas Jean-Yves Congar, dominicano, considera a maior revolução acontecida na Igreja. De uma Igreja-comunidade passou a ser uma instituição-sociedade monárquica e absolutista, organizada de forma piramidal e que vem até os dias atuais Efetivamente, o cânon 331 do atual Direito Canônico se liga a esta compreensão, atribuindo ao Papa poderes que, na verdade, não caberiam a nenhum mortal, senão somente a Deus:
”Em virtude de seu ofício, o Papa tem o poder ordinário, supremo, pleno, imediato, universal” e em alguns casos precisos, “infalível”. Esse eminente teólogo, tomando a minha defesa face ao processo doutrinário movido pelo Card. Joseph Ratzinger em razão do livro “Igreja: carisma e poder” escreveu um artigo no “La Croix”(8/9/1984) sobre o “O carisma do poder central”. Ai escreve: ”O carisma do poder central é não ter nenhuma dúvida. Ora, não ter nenhuma dúvida sobre si mesmo é, a um tempo, magnífico e terrível. É magnífico porque o carisma do centro consiste precisamente em permanecer firme quando tudo ao redor vacila. E é terrível porque em Roma estão homens que tem limites, limites em sua inteligência, limites em seu vocabulário, limites em suas referencias, limites no seu ângulo de visão”. E eu acrescentaria ainda limites em sua ética e moral.

         Sempre se diz que a Igreja é “santa e pecadora” e deve ser “sempre reformada”. Mas não é o que ocorreu durante séculos nem após o explícito desejo do Concílio Vaticano II e do atual Papa Bento XVI. A instituição mais velha do Ocidente incorporou privilégios, hábitos, costumes políticos palacianos e principescos, de resistência e de oposição que praticamente impediu ou distorceu todas as tentativas de reforma.

         Só que desta vez se chegou a um ponto de altíssima desmoralização, com práticas até criminosa que não podem mais ser negadas e que demandam mudanças fundamentais no aparelho de governo da Igreja. Caso contrário, este tipo de institucionalidade tristemente envelhecida e crepuscular definhará até entrar em ocaso. Os atuais escândalos sempre houveram na cúria vaticana apenas que não havia um providencial Vatileaks para  trazê-los a público e indignar o Papa e a maioria dos cristãos.

         Meu sentimento do mundo me diz que  estas perversidades no espaço do sagrado e no centro de referencia para toda a cristandade – o Papado – (onde deveria primar a virtude e até a santidade) são consequência desta centralização absolutista do poder papal.  Ele faz de todos vassalos, submissos  e ávidos por estarem fisicamente perto do portador do supremo poder, o Papa. Um poder absoluto, por sua natureza, limita e até nega a liberdade dos outros, favorece a criação de grupos de anti-poder, capelinhas de burocratas do sagrado contra outras, pratica  largamente a simonía que é compra e venda de vantagens, promove  adulações e destrói os mecanismos da transparência. No fundo, todos desconfiam de todos. E cada qual procura a satisfação pessoal da forma que melhor pode. Por isso, sempre foi problemática a observância do celibato dentro da cúria vaticana, como se está revelando agora com a existência de uma verdadeira rede de prostituição gay.

         Enquanto esse poder não se descentralizar e  não outorgar mais participação de todos os estratos do povo de Deus, homens e mulheres, na condução dos caminhos da Igreja o tumor causador desta enfermidade perdurará. Diz-se que Bento XVI passará a todos os Cardeais o referido relatório para cada  um  saber que problemas irá enfrentar caso seja eleito Papa. E a urgência que terá de introduzir radicais transformações. Desde o tempo da Reforma que se ouve o grito: ”reforma na Cabeça e nos membros”. Porque nunca aconteceu, surgiu  a Reforma como gesto desesperado dos reformadores de fazerem por própria conta tal empreendimento.

         Para ilustração dos cristãos e dos interessados em assuntos eclesiásticos, voltemos à questão dos escândalos. A intenção é desdramatizá-los, permitir que se tenha uma noção menos idealista e, por vezes, idolátrica da hierarquia e da figura do Papa e libertar a liberdade para a qual Cristo nos chamou (Galatas 5,1). Nisso não vai nenhum gosto pelo Negativo nem vontade de acrescentar desmoralização sobre desmoralização. O cristão tem que ser adulto, não pode se deixar infantilizar nem permitir que lhe neguem conhecimentos em teologia e em história para dar-se conta de quão humana e demasiadamente humana pode ser a instituição que nos vem dos Apóstolos.

         Há uma longa tradição teológica que se refere à Igreja como casta meretriz,  tema abordado detalhadamente por um grande teólogo, amigo do atual Papa, Hans Urs von Balthasar (ver em Sponsa Verbi,  Einsiedeln 1971, 203-305). Em várias ocasiões o teólogo J. Ratzinger se reportou a esta denominação. A Igreja é uma meretriz que toda noite se entrega à prostituição; é casta  porque Cristo, cada manhã se compadece dela, a lava e a ama.

          O  habitus meretrius da instituição, o vício do meretrício, foi duramente criticado pelos Santos Padres da Igreja como Santo Ambrósio, Santo Agostinho, São Jerônimo e outros. São Pedro Damião chega a chamar o referido Gregório VII de “Santo Satanás” (D. Romag, Compêndio da história da Igreja, vol 2, Petrópolis 1950,p.112). Essa denominação dura nos remete àquela de Cristo dirigida a Pedro. Por causa de sua profissão de fé o chama “de pedra”mas por causa de sua pouca fé e de não entender os desígnios de Deus o qualificou de “Satanás”(Evangelho de Mateus 16,23). São Paulo parece um moderno falando quando diz a seus opositores com fúria: ”oxalá sejam castrados todos os que vos perturbam”(Gálatas 5.12).   portanto, lugar para a profecia na Igreja e para a denúncias dos malfeitos que podem ocorrer no meio eclesiástico e também no meio dos fiéis.

         Vou referir outro exemplo tirado de um santo querido da maioria dos católicos brasileiros, por sua candura e bondade: Santo Antônio de Pádua. Em seus sermões, famosos na época, não se mostra  nada doce e gentil. Fez vigorosa crítica aos prelados devassos de seu tempo. Diz ele: “os bispos são cachorros sem nenhuma vergonha, porque sua frente tem cara de meretriz e por isso mesmo não querem criar vergonha”(uso a edição crítica em latim publicada em Lisboa em 2 vol em 1895). Isto foi proferido no sermão do quarto domingo depois de Pentecostes ( p. 278). De outra vez,  chama os prelados de “macacos no telhado, presidindo dai o povo de Deus”(op cit  p. 348).  E continua:” o bispo da Igreja é um escravo que pretende reinar, príncipe iniquo, leão que ruge, urso faminto de rapina que espolia o povo pobre”(p.348). Por fim na festa de São Pedro ergue a voz e denuncia: ”Veja que Cristo disse três vezes: apascenta e nenhuma vez tosquia e ordenha… Ai daquele que não apascenta nenhuma vez e tosquia e ordena três ou mais vezes…ele é um dragão ao lado da arca do Senhor que não possui mais que aparência e não a verdade”(vol. 2, 918).

         O teólogo  Joseph Ratzinger explica o sentido deste tipo de denúncias proféticas:” O sentido da profecia reside, na verdade, menos em algumas predições do que no protesto profético: protesto contra a auto-satisfação das instituições, auto-satisfação que substitui a moral pelo rito e a conversão pelas cerimônias” (Das neue Volk Gottes,  Düsseldorf 1969, p. 250, existe tradução português).

         Ratzinger critica com ênfase a separação que fizemos com referencia à figura de Pedro: antes da Páscoa, o traidor; depois de Pentecostes, o fiel. “Pedro continua vivendo esta tensão do antes e do depois; ele continua sendo as duas coisas: a pedra e o escândalo… Não aconteceu, ao largo de toda a história da Igreja, que o Papa, simultaneamente, foi o sucessor de Pedro, a “pedra” e o “escândalo”(p. 259)?

         Aonde queremos chegar com tudo isso? Queremos chegar ao reconhecimento de que a igreja- instituição de papas, bispos e padres, é feita de homens que podem trair, negar e fazer do poder religioso negócio e instrumento de autossatisfação. Tal reconhecimento é terapêutico, pois nos cura de toda uma ideologia idolátrica ao redor da figura do Papa, tido como praticamente infalível. Isso é visível em setores conservadores e fundamentalista de movimentos católicos leigos e também de grupos  de padres. Em alguns vigora uma verdadeira papolatria que Bento XVI procurou sempre evitar.

         A crise atual da Igreja  provocou a renúncia de um Papa que se deu conta de que não tinha mais o vigor necessário para sanar escândalos de tal gravidade. “Jogou a toalha” com humildade. Que outro mais jovem venha a assuma a tarefa árdua e dura de limpar a corrupção da cúria romana e do universo dos pedófilos, eventualmente puna, deponha e envie alguns mais renitentes para algum convento para fazer penitência e se emendar de vida.

         Só quem ama a Igreja pode fazer-lhe as críticas que lhe fizemos, citando textos de autoridade clássicas do passado. Quem deixou de amar a pessoa um dia amada, se torna indiferente à sua vida e destino. Nós nos interessamos à semelhança do amigo e  de irmão de tribulação Hans Küng, (foi condenado pela ex-Inquisição) talvez um dos teólogos  que mais ama a Igreja e por isso a critica.


         Não queremos que cristãos cultivem este sentimento de  de descaso e de indiferença. Por piores que tenham sido seus erros e equívocos históricos, a instituição-Igreja guarda a memória sagrada de Jesus e a gramática dos evangelhos. Ela prega libertação, sabendo que geralmente são outros que libertam e não ela.

          Mesmo assim vale estar dentro dela, como estavam São Francisco, Dom Helder Câmara, João XXIII e os notáveis teólogos que ajudaram a fazer o Concílio Vaticano II e que antes haviam sido todos condenados pela ex-Inquisição, como De Lubac, Chenu, Congar,  Rahner e outros. Cumpre  ajuda-la a sair deste embaraço, alimentando-nos mais do sonho de Jesus de um Reino de justiça, de paz e de reconciliação com Deu e do seguimento de sua causa e destino do que de simples e justificada indignação que pode cair facilmente no farisaísmo e no moralismo.

Leonardo Boff