Acontecerá em Senador Pompeu-CE,
dia 09 de novembro de 2014, a 32ª Caminhada da Seca, em memória das vítimas do
campo de concentração de 1932. Apresentando a seguinte temática: “Pela
preservação das águas do Patu, fonte de vida e construção da liberdade – Em
defesa da dignidade humana”. A 32ª Caminhada da Seca acontece no auge do
mais longo período de estiagem dos últimos anos e apresenta reflexões
pertinentes à convivência com o Semiárido. A temática chama atenção para a
questão da segurança hídrica na região, o baixo nível do Açude Patu vem
preocupando a população de Senador Pompeu. Comunidades situadas às
margens do açude já enfrentam o problema do desabastecimento. Movimentos
sociais alertam para um possível colapso no abastecimento se as chuvas
permanecerem abaixo da média. Chama a atenção também para a questão da
degradação ambiental e poluição do Açude Patu, o Rio Patu e Banabuiú, que são
fundamentais para a região Sertão Central e a preservação dos Casarões da
Barragem, que até o momento não houve por parte dos órgãos públicos, ações de
preservação.
O açude Patu seria a solução para
amenizar a problemática do abastecimento d’água na região, as obras foram
iniciadas no ano de 1919, mas só veio de fato ser concluído no ano de 1987. A
construção do açude foi marcada por atos de violação de direitos, a começar
pelo cancelamento das obras em 1924, que em seguida abriu os portões do
canteiro de obras abandonado para a efetivação da política de confinamento de
flagelados da seca do ano de 1932, prática que foi iniciada no ano de 1915.No local,
o governo promoveu a maior violação de direitos, ferindo a dignidade humana de
milhares de sertanejos, que tiveram suas vidas ceifadas. Na verdade, a sede, a
fome, as doenças, os maus tratos, o sol escaldante, não foram os responsáveis
pela tragédia, mas sim o Estado que negligenciou na política de convivência com
a seca, que na época era chamada de combate à seca.Com a retomada da construção
em 1984, os agricultores e agricultoras que moravam às margens do rio Patu, que
teriam suas terras e benfeitorias inundadas, tiveram que desocupar as terras
sem a garantia de indenização justa. Foi através da organização e muita luta
com a ajuda de Pe. Albino Donatti, que garantiu através do Centro de Defesa dos
Direitos Humanos Antônio Conselheiro, assessoria jurídica, que os agricultores
e agricultoras tiveram parte de seus diretos garantidos. Hoje, 82 anos
após o campo de concentração, a população ainda sofre por falta de
abastecimento d’água, terra para viver e produzir, educação e saúde de
qualidade e uma série de outros direitos que são negados. Isso prova a
ineficiência das políticas públicas de convivência com o Semiárido, os
políticos e empresas continuam a se beneficiarem política e economicamente com
a indústria da seca, que vem se camuflando com o passar do tempo. O campo
concentração, ou para melhor dizer campos, ainda é uma prática dos governos no
presente. Não existe um campo de concentração, cercado por arame, onde as
pessoas são aprisionadas, mas as formas e práticas de segregação permanecem.
Basta observar os índices de criminalidade envolvendo jovens negros de baixa
renda. Não se morre pela fome ou sede de comida e água diretamente, mas pela
fome da falta de informação, da violência, das drogas, pelas doenças diversas,
pois o sistema de saúde precário não é capaz de oferecer um atendimento eficaz.
Os que morrem pela falta de
atendimento médico adequado, as vítimas das mais diversas formas de violências,
das drogas, do trabalho infantil, do trabalho escravo e semiescravo, são todos
e todas vítimas da incompetência dos governos, que têm negligenciado
propositalmente ou não, sabotando a educação e violando direitos fundamentais,
inviabilizando a justiça social, configurando-se as novas estruturas de
concentração, que não diferem na essência do campo de concentração de 1932. No
campo de concentração de 1932, os flagelados recebiam uma espécie de cartão
senha, que lhes dava o direito de retirar os víveres que eram mandados pelo
Governo Federal (lembrando que há relatos de sobreviventes de que eram produtos
de péssima qualidade, que os produtos eram desviados por comerciantes de
Senador Pompeu à época). Hoje vemos a mesma fila nas casas lotéricas,
para retirar os víveres da atualidade, camuflados de programas sociais. As
favelas nas grandes e pequenas cidades são exemplos de campos modernos. A
Caminhada da Seca mantém viva a memória do fato histórico que não pode ser
esquecido. Tem que ser lembrado não só do ponto de vista religioso, mas também
da esperança, da reflexão sobre as políticas de convivência com o Semiárido,
sistematicamente negligenciadas. Prova é que atravessamos mais um longo período
de seca, o povo do sertão contundia a sofrer por falta de abastecimento de água
e sobreviver com esmolas de governos. Essa tem sido a prática que não liberta,
que permanece segregando, violando os direitos humanos fundamentais dos povos
do Semiárido. Falta de planejamento por parte dos administradores públicos, no sentido
de capitar, armazenar água para os longos períodos de estiagem e fazer a
distribuição equitativa. De garantir educação no campo, de garantir meios para
implantação de sistemas de produção adequados e eficazes, para a produção de
alimentos e geração de renda. A caminhada da seca é um importante
patrimônio cultural imaterial de Senador Pompeu, que envolve um conjunto de
outros patrimônios: o açude e o rio Patu, os Casarões da Barragem, o serrote do
Patu, o Cemitério da Barragem, a Caatinga e a fauna, as obras de artes, a
devoção às almas da barragem, a próprio fato histórico, tudo isso tem que ser
preservado, para que o passado possa servir de luz para iluminar as veredas do
futuro.