Mudança no cálculo do
fator previdenciário aprovada pelo Congresso permite que pessoas se aposentem
mais cedo do que o Executivo gostaria
O governo brasileiro tenta evitar que o ano termine
novamente com um rombo nas contas públicas. Para isso, lançou um pacote de ajuste fiscal.
Entre as metas, o Executivo propôs alterações no acesso a benefícios
previdenciários, mas não esperava que o Congresso fosse aproveitar essa medida
provisória para flexibilizar as
regras da aposentadoria.
A
polêmica emenda, acrescentada pela Câmara e aprovada na semana passada no
Senado, flexibiliza o chamado fator previdenciário, que foi criado para
desestimular a aposentadoria precoce ao reduzir o valor do benefício para quem
se aposenta antes dos 60 anos de idade.
O
Legislativo propõe modificações a essa regra, instituindo a fórmula 85/95. Ela
prevê que uma pessoa pode receber o valor integral do benefício quando a soma
de sua idade com o tempo de contribuição for igual a 85 para mulheres e a 95
para homens – obedecendo, porém, o teto de 4.663,75 reais da Previdência
Social.
Com a
alteração, uma mulher com 55 anos de idade e 30 de contribuição, por exemplo,
passaria a receber aposentaria integral. O mesmo valeria para um homem com 60
anos de idade e 35 anos de contribuição. Atualmente, pelo cálculo do fator
previdenciário, ambos teriam que trabalhar por mais tempo para ter acesso ao
benefício sem descontos.
Para
entrar em vigor, a nova fórmula ainda precisa ser aprovada pela presidente
Dilma Rousseff. Mas a mudança não agradou ao governo. Com a flexibilização, a
tendência é de aumento nos gastos com a previdência. O vice-presidente Michel
Temer já afirmou que o Executivo irá apresentar uma proposta alternativa ao
fator previdenciário.
A mudança no cálculo do fator previdenciário aprovada
pelo Congresso não é controversa somente no governo. Analistas estão longe de
ter uma opinião unânime sobre o assunto.
Para
o economista Fabio Giambiagi, especialista em previdência social, a alteração é
um retrocesso, tendo em vista que a população tende a ficar cada vez mais
velha, e o número de aposentados deve aumentar entre 3,5% e 4% ao ano nas
próximas duas décadas.
"Qualquer
país responsável diante disso estaria discutindo regras para fazer com que as
pessoas trabalhem mais. A realidade vai se encarregar de mostrar o equívoco da
mudança", afirmou Giambiagi.
Já
para o economista Eduardo Fagnani, da Unicamp, a alteração é positiva.
"Ela corrige uma injustiça com as pessoas de mais baixa renda que têm sido
penalizadas desde a criação do fator previdenciário", afirma o
especialista.
Fagnani
ressalta que, atualmente, pessoas que entram no mercado de trabalho aos 25 anos
e completam 35 anos de contribuição aos 60 anos de idade têm um desconto bem
menor no valor do benefício do que pessoas que começaram a trabalhar com 15
anos e somaram 35 anos de contribuição aos 55 anos de idade.
Criado em 1999, o fator previdenciário visava retardar
pedidos de aposentadoria ao reduzir benefícios de quem se aposenta antes dos 60
anos para mulheres e dos 65 anos para homens. Essa fórmula é aplicada para
calcular o valor de aposentadoria por tempo de contribuição, cujo pedido exige
35 anos de contribuição para homens e 30 anos para mulheres, independente da
idade.
A
medida pretendia reduzir a pressão na Previdência Social, pois já na década de
1990 o pagamento de benefícios ultrapassava a arrecadação. O déficit continuou
a crescer e, em 2013, chegou a 51,3 bilhões de reais, um aumento de 14,8% em
relação ao ano de 2012.
Além
da aposentadoria por tempo de contribuição, há no Brasil a aposentadoria por
idade mínima de 65 anos para homens e 60 anos para mulheres, no caso de
trabalhadores urbanos, e 60 anos para homens e 55 anos para mulheres, no caso
de trabalhadores rurais, além de um tempo mínimo de 15 anos de contribuição.
Com o envelhecimento da população brasileira e o aumento
da expectativa de vida, que atualmente é de 74,9 anos – mas deve chegar a 80,7
anos até 2050 – a discussão sobre mudanças na aposentadoria vai além da
alteração do fator previdenciário.
Giambiagi
defende reformas para equilibrar a balança da previdência. Entre elas, estão a
adoção de uma idade mínima para a concessão de aposentadorias e também a
equalização por gênero, ou seja, igualar a diferença de idade para receber o
benefício entre homens e mulheres.
Na
Alemanha, por exemplo, a idade mínima para a concessão da aposentadoria é de 67
anos. Na Dinamarca e na Espanha, 65 anos; e na França, 62 anos.
Para
o economista Samy Dana, da Fundação Getúlio Vargas, uma mudança na previdência
precisa, em primeiro lugar, corrigir o valor do rendimento do FGTS – que
atualmente é de 3% mais a taxa referencial, que não passa de 1% ao ano. "O
rendimento do FGTS é negativo em termos reais, pois não paga nem a inflação. O
ideal seria a manutenção do poder de compra e juros reais", disse.
Fagnani,
porém, é contra uma reforma. Segundo o economista, as alterações feitas na
década de 1990 já restringem suficientemente o acesso à previdência social,
além de terem sido criados impostos para financiar a seguridade social. Ele
sugere como alternativa melhorar as condições de vida da população, para que no
futuro, as pessoas não dependem apenas do Estado com relação à aposentadoria.
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